segunda-feira, junho 08, 2020

A IGREJA, A FÉ, A RAZÃO E A IMPOSIÇÃO DA REALIDADE


“A fé mostra a realidade daquilo que esperamos; ela nos dá convicção de coisas que não vemos” Hebreus 11:1

             Em uma escola dominical, na Sede da Igreja Voz da Verdade, o já saudoso mestre Mário ensinou-nos sobre a importância da leitura panorâmica em contraste com a mera fotografia. Para isso ele utilizou-se da célebre história de José, o sonhador. Qualquer um que olhasse para ângulos isolados na vida de José veria “túnica colorida”, “sonhos”, “feixes”, "Sol, Lua e estrelas”, “cova”, escravidão”, “calúnia”, “prisão”... São peças incompletas que se confundem entre o escuro e o claro; o árido e o colorido. No entanto, se pudéssemos percorrer com os olhos o espetáculo do horizonte, a perspectiva geral, o quadro completo, então veríamos que o José sonhador, fantasioso, devaneador era o projeto do poderoso Zafenate-Paneia, o salvador do seu mundo.

             Não sei se consegui resumir bem, mas é a minha lembrança daquela aula.

             Por qual razão relembro esta lição? Semana passada estive conversando com uma amiga minha, da mesma congregação, e falávamos sobre este binômio que antagonizou-se na mente das pessoas: Fé vs. Razão; dois conceitos, cuja junção representa a possibilidade harmoniosa em verdade, ainda que subjetiva.


             Durante o diálogo fui questionado: “A fé age no impossível? Existe razão na impossibilidade? ” Até brinquei, perguntando se a fala era retórica ou se eu deveria responder. Pois bem, após meditarmos conclui o que segue a baixo.

             Sim, a fé age no impossível, mas não somente, todavia subsiste do mesmo modo nas coisas que não vemos. A fé, ao contrário do que se costuma acreditar, não é sinônimo de impossibilidade.
             ORA, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não veem. A Concordância de Strong, excelente dicionário/concordância resume assim:


             A fé é o fundamento [hypostaseōs] e a convicção [elenchos]. É o que nos dizem os originais.

a.       Hypostaseōs significa “título de posse" é a garantia do Senhor para cumprir a fé que d’Ele nasce.
b.       Elenchos, por sua vez, indica o “controle”, isto é, a convicção interior que se concentra em Deus, confirmando seu nascimento da fé, aquele pelo qual as coisas invisíveis são provadas (testada, verificada) e, por isso, estamos convencidos de sua realidade. Ou ainda, do resultado interno da prova de que é uma convicção.

             Vemos que isso está muito distante de uma fé fantasiosa, ou irracional, mas ela é “fundamentada” e “provada“, ou seja, a Galeria dos Heróis da Fé, descrita em Hebreus 11, não é uma fantasia de desequilibrados e as histórias mirabolantes ali descritas foram experimentadas em Deus, e não fruto de irresponsabilidades ou ilusões.
             Dito isto, nem sempre a fé é a impossibilidade, porquanto, por vezes, ela pode ser uma possibilidade distante.
             A fé pode ser uma questão real, possível, palpável, mas que diante da nossa leitura pobre, visão curta, ótica carnal e compreensão natural, não assimilamos.

             A segunda questão foi  se “existe racionalidade no impossível”.

             A impossibilidade, por si só, é uma percepção racional. A irracionalidade faz com que você não diferencie a realidade da ilusão. É a razão quem te dá a noção do que seja possível ou impossível. Se não formos racionais confundiremos os dois mundos: natural e espiritual. Espiritualizaremos o mundo natural e naturalizaremos o mundo espiritual.

             Vejamos: "ver pelos olhos da fé" é acreditar no que, embora já exista, ainda está nos planos de Deus. “o visível não foi feito daquilo que se vê
             A lição que nos trouxe o pastor Mário: a pintura em um quadro é um todo feita de pinceladas que, isoladas são informes.
             A Abraão, pai da fé, não foi lhe pedido o impossível. Mas diante de um pedido em que ele não enxergava uma saída disse: “Deus proverá! ”. Ou seja, ele decidiu ver a provisão que existia nos Planos de Deus. Se pudéssemos fotografar Abraão naquele momento: um homem, um cutelo, um monte, um altar, um filho único, um sacrifício. Esta era a fotografia. Mas o panorama revelaria: um cordeiro e uma provisão!
             José, em um horizonte maior, viu além de seu poder temporal, e “pela fé, no fim da vida, declarou com toda a confiança que os israelitas deixariam o Egito e deu ordens para que cuidassem de seus ossos”. Onde está a impossibilidade aqui? O texto explica:

Todas estas pessoas viveram na fé e morreram sem terem visto o cumprimento das promessas; mas foi como se as vissem de longe, e crendo nelas, aceitaram-nas. Eles reconheciam que aqui na Terra eram estrangeiros, vivendo de passagem.

             O mesmo texto, porém, apresenta coisas impossíveis, como “pela fé caíram as muralhas de Jericó, depois de o povo de Israel ter marchado à volta deles por sete dias.” A fé no milagre é a fé na impossibilidade, ou não seria milagre. Vejam, a Bíblia lista: dons de curas, dons de operação de maravilhas (braços nascerem, pernas crescerem, morto ressuscitar!) e tem o dom da fé. E também existem outros dons, como a ciência, sabedoria e discernimento.
             A Bíblia, como nós a conhecemos, faz parte não de uma irracionalidade, mas do Divino revelando ao homem seu Plano. Existe razão na fé.
             Deus, por exemplo, manda o profeta Oseias ir e casar-se com uma prostituta. O que Ele faz? Manda o profeta explicar de forma racional que Ele, Deus, assim como Oseias, é corneado pela prostituta chamada Israel. Os demais profetas também, tinham a missão de revelar o Plano da Salvação. A Salvação é pela Graça, mediante a Fé. Sem Fé é impossível agradar a Deus. Ao mesmo tempo que nossa adoração deve ser prestada pela razão, que é a lógica operando através do raciocínio divino conhecido pela fé.
             Esse antagonismo entre fé e razão intensificou-se em março, fruto da discussão se Deus iria impedir que seus filhos se contagiassem com o Coronavírus. Uns garantiam “na igreja você não pega”, outros frisavam “só quem tem a brecha do medo pega o vírus”.
Já nesta época eu contestava esta fé que espiritualiza o mundo natural. Uma fé triunfalista que prega o nosso triunfo aqui, nesta vida. Uma fé de "confissão positiva", como se Jesus fosse uma palavra mágica. É o que ensina o autor aos Hebreus, ao falar de Abraão, Isaque e Jacó:
“[A fé os levaram a] reconhecer que eram estrangeiros e peregrinos neste mundo. Evidentemente, quem fala desse modo espera ter sua própria pátria. Se quisessem, poderiam ter voltado à terra de onde saíram, mas buscavam uma pátria superior, um lar celestial. Por isso Deus não se envergonha de ser chamado o Deus deles, pois lhes preparou uma cidade. ”
             Não existe fé triunfalista! O contraste? A igreja primitiva que morreu louvando a este Deus. O próprio Cristo na Cruz clamando o seu Pai não foi livrado da Cruz ou da Ira.
             O autor ao Hebreus acaba com este conceito neopentecostal de fé:
“[Pela fé] outros, foram torturados, recusando-se a ser libertos, e depositaram sua esperança na ressurreição para uma vida melhor. Alguns foram alvo de zombaria e açoites, e outros, acorrentados em prisões.  Alguns morreram apedrejados, outros foram serrados ao meio, e outros ainda, mortos à espada. Alguns andavam vestidos com peles de ovelhas e cabras, necessitados, afligidos e maltratados. ”

             Vejam, a fé, não no Deus que os livraria, mas eles recusaram ser libertos pela fé, na convicção da Esperança que não está nesta vida, mas na ressurreição para uma vida melhor.
“Ah, mas Deus se não livra do fogo, pelo menos no fogo”
             Sim, pode ser, mas será sempre assim? E se não for? Para qual proposito Deus livra do fogo? Se nós nos convertermos de verdade a gente não vai mais viver apenas para as coisas boas deste mundo que, embora não sejam pecaminosas, mas não são essenciais, por mais maravilhosas que possam ser. Quando eu vejo uma igreja preocupada com suas acomodações aqui me lembro do que Jesus disse: “onde está o tesouro ali está seu coração” e também: “Quando eu, o Filho do Homem, voltar, quantas pessoas encontrarei que tenham fé? ”.
             A grande questão que se coloca, portanto, não é se devemos escolher entre a razão e a fé. Mas em que está nossa fé? No milagre ou no Deus do Milagre? Se estiver no milagre nossa fé será sempre uma aposta na impossibilidade. Mas se estiver no Deus do Milagre, nossa Fé estará embasada em Cristo. E em Cristo é o viver e n’Ele, o morrer, é ganho. Ora, onde está a tal fé louca nisso? A Fé não está nesta vida, mas na promessa da Eternidade. Loucos são aqueles que ensinam a fé para as coisas nesta vida! É o que nos ensina Jesus, ao descrever aqueles típicos testemunhos de “fé’, que terminariam muito bem com o logo: “EU SOU A UNIVERSAL”:

“Certo homem rico possuía uma propriedade fértil que dava boas colheitas. Assim os seus celeiros ficaram a transbordar, e não podia guardar tudo lá dentro. O homem pôs-se a pensar no problema. Por fim, exclamou: 'Já sei, vou deitar abaixo os celeiros e construir outros maiores. Assim terei espaço suficiente. Depois direi comigo mesmo: 'Amigo, armazenaste o bastante para os anos futuros. Agora, repousa e come, bebe e diverte-te.'Mas Deus disse-lhe: 'Louco! Esta noite vais morrer; e para quem fica tudo isso?'Sim, louco é quem acumula riquezas na Terra mas não é rico em relação a Deus.
             Laodiceia é a igreja de hoje. Uma igreja que nos lábios fala que quer o Reino, mas que quando sua riqueza terrena é ameaçada ela briga com unhas e dentes, pois na verdade é onde está seu coração.
Qual Fé Ele achará? A fé na prosperidade? Na saúde? Na bonança? No milagre? Isto não é fé. É comodismo. É querer Deus pelo que Ele tem e pode dar, não pelo que Ele é. Laodiceia era rica, ms miserável:

"E se a nossa esperança em Cristo é unicamente para esta vida, nós somos as pessoas mais miseráveis no mundo."

             A Fé, como crença cristã, é perfeitamente racional, não porque temos que lidar com possibilidades ou impossibilidades, questões naturais desta vida, mas porque vemos, no porvir, aquilo que esperamos hoje, isto é: Ele, Jesus!
             Jesus crucificado e ressuscitado é a base de nossa fé. A nossa fé é loucura e escândalo... para os que perecem. Mas para nós é loucura também? É o impossível? Não, todavia é o PODER DE DEUS! Se nos falta poder, aí é outra história, não é um problema de Fé, portanto, mas da igreja se colocar na posição de receber.
             Para os discípulos, me parece, de verdade, com toda a humildade, que era muito mais uma questão de poder que de impossibilidade.

“Quando o mendigo viu que Pedro e João iam entrar, pediu-lhes dinheiro. Pedro e João se voltaram para ele. “Olhe para nós! ”, disse Pedro. O homem fixou o olhar neles, esperando receber alguma esmola. Pedro, no entanto, disse: “Não tenho prata nem ouro, mas lhe dou o que tenho. Em nome de Jesus Cristo, o nazareno, levante-se e ande! ”.

             Observando Pedro, não me parece um louco sem razão. Mas alguém que encontrou razão na fé. Ou ainda, alguém que tinha tanto o fundamento quanto a convicção.
             A Fé não é a negação da realidade, tampouco fechar os olhos para a verdade, mas a fé mostra a realidade daquilo que esperamos e quanto as questões que não podemos ver, ela nos dá prova, convicção e experimento: não é teórica, nem ilusória.
             Ora, Adão tinha isso. Mas perdeu. Nossa natureza adâmica perdeu isso. Mas Cristo restaurou na Cruz, aquilo que perdemos no Éden. A fé transforma a realidade adâmica na realidade cristã.
             As coisas que nós hoje achamos impossível, para Adão, antes da queda, era apenas uma questão de poder.

a)       Possível: "praticável"
b)      Poder: "Ser capaz de"


             Cristo restaurou a nossa capacidade de praticar os dons e operar os frutos, e Pedro sabia disto.

             Mas isso tudo tem um propósito: Ele ser glorificado, a Igreja ser edificada, sermos salvos e salvar a outros.

             Esta fé em benefício próprio, me perdoem a franqueza, está longe de ser bíblica.

             É a reposta de Deus para o Paulo que tinha os 9 dons: "tire de mim este espinho na carne."

" MINHA GRAÇA É TUDO DE QUE VOCÊ PRECISA. MEU PODER OPERA MELHOR NA FRAQUEZA”, respondeu-lhe o Cristo.

             O Apóstolo Paulo morreu em Roma. Seu triunfo não foi aqui. O Nome de Cristo não lhe foi sorte, pelo contrário, lhe trouxe muito sofrimento. Aquela fotografia era de um fracassado.

             Todavia, foi apenas um capítulo na História Eterna. Olhando no panorama, neste horizonte infinito, Paulo, sob a lente da Fé, aí nós vemos quem ele de fato foi: um Herói da Fé.
“Quanto a mim, minha vida já foi derramada como oferta para Deus. O tempo de minha morte se aproxima. Lutei o bom combate, terminei a corrida e permaneci fiel. Agora o prêmio me espera, a coroa de justiça que o Senhor, o justo Juiz, me dará no dia de sua volta. E o prêmio não será só para mim, mas para todos que, com grande expectativa, aguardam a sua vinda.” 2 Timóteo 4:6-8

SOLI DEO GLORIA