A quarta temporada de Stranger Things, em seu 4.º episódio, traz uma reflexão sobre a culpa.
A culpa nos corrói de dentro para fora, subtraindo‑nos a força e rendendo‑nos ao mal que nos alcança.
Entorta‑nos os ossos — alicerces da vontade —, desloca o verbo em nosso maxilar e suga‑nos o olhar, janela da alma, precipitando‑nos em trevas existenciais.
Às vezes, a culpa é amparada na verdade cínica de uma racionalidade que isola fatos e despreza contextos subjetivos.
De fato, Max já não era perseguida pelo irmão problemático — ele próprio vítima do pai —, mas quanto desse fato fazia parte de sua verdade íntima?
Max assumiu para si a solidão como penitência autoimposta. Tecnicamente capaz de suportar o fardo, não percebeu que sobreviver não equivale a viver. Transformou-se em espectro entre mundos: biologicamente presente, emocionalmente ausente — tornou‑se numa moribunda: não falava, não sentia, não amava. O silêncio, a anestesia afetiva e a recusa do vínculo não eram estratégias de sobrevivência, mas sintomas do processo de extinção já em curso. O verdadeiro Vecna não habitava outro plano, mas o vazio que ela cultivava dentro de si.
Sustentar culpa e traumas em solidão é admitir que a morte seja apenas questão de tempo, e o relógio da maldição despertou para ela também.
No limiar entre ser e não-ser, confrontada pela única sentença que a culpa sabe proferir - o aniquilamento -, Max redescobre uma verdade primordial: nossa vulnerabilidade é também nossa salvação. A imperfeição que nos condena é a mesma que permite nossa redenção. O paradoxo da condição humana revela-se inteiro: somos capazes tanto de experimentar o abismo da culpa quanto as alturas do perdão.
É no amor - essa força que transcende tanto a lógica quanto a razão - que encontramos salvação. Não um amor abstrato, mas materializado nos vínculos que nos ancoram à vida. A música não era apenas som, mas linguagem ancestral capaz de reconectar Max aos arquétipos de esperança inscritos em sua memória mais profunda.
A culpa, esse Golias interior, encontrou seu David no pequeno e poderoso ato do perdão. Descobrimos então a matemática sagrada do coração: perdoamos na exata proporção em que amamos, começando por nós mesmos.
Na epifania final, através dos olhos lacrimosos daqueles que se recusaram a abandoná-la, Max contempla sua própria imagem refletida - não como ela se via, fragmentada e indigna, mas íntegra e merecedora.
O maior ato revolucionário contra a culpa não é negá-la, mas transcendê-la, aceitando que somos dignos de amor apesar de nossas imperfeições - ou talvez precisamente por causa delas.