Se eu deixasse hoje a existência,
sei que deixaria memórias também,
mas não a saudade.
Sei que o plano crítico se dissolveria mais rápido que a putrefação de meu tecido;
e grifar-se-iam todas as qualidades minhas.
E, então, ouviria na morte o que não ouvi em vida.
E receberia, enfim, no além, aquilo que dei no aquém.
Se eu fechasse hoje os olhos para luz,
sei que deixaria de brilhar também,
mas não mais teria que lidar com a escuridão em mim.
Sei que apagar-se-iam os holofotes que destacam os percalços meus;
e, então, as velas seriam acesas em sacro vagar.
E eu seria visto, enfim, pelo melhor que dei, não pelo pior que vivi.
Se hoje eu cerrasse as cortinas do palco da vida,
sei que perderia o protagonismo também,
mas não teria mais que atuar.
Sei que as vaias diluir-se-iam ante os aplausos de quem apenas percebe-se ao fim.
E, então, eu saberia o que sabem, mas não o fazem saber.
E eu compreenderia que não importa o que recebi ou dei, mas apenas o que vivi.
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