segunda-feira, setembro 15, 2025

ODE À NOSSA FÉ

I. A Natureza de Deus

1. Ó Logos Inefável, Arquétipo de toda a Criação, Tu, cuja essência habita o recôndito da eternidade e cuja glória numinosa transcende a mais locupleta das compreensões humanas. Em Ti não há aporia nem contingência, mas a Verdade Absoluta e necessária, a realidade asseitosa que a tudo fundamenta.

2. Declaramos a Tua unicidade, ó Eterno Absoluto, Axioma Imarcesível, pois não és uma emanação demiúrgica entre outras, um deus em um panteão de potestades finitas. Tu te revelas não em opúsculos de sabedoria humana, mas em uma Unicidade Perfeita e indivisível, manifestando-Te como o Pai, a Fonte numenal, o Princípio incriado de quem emana todo o ser; depois como Filho, o Verbo Hipostasiado manifestado em carne, de pureza ebúrnea, a perfeita teofania do Amor Divino , sendo Tu o resplendor exato de Sua glória e o único ícone visível de Sua essência invisível; e agora como o Espírito Santo, o Sopro Vivificante, o influxo paracletiano que nos impede de sermos meros seres nefelibatas, perdidos no solipsismo de nossas vãs cogitações.

II. A Doutrina do Pecado

3. Meditamos sobre a catástrofe primordial, pois o pecado, essa herança do primeiro filaucioso, Adão, se nos tornou uma nódoa ontológica. Foi a fratura da aliança original, uma deliberada insurreição que introduziu a lógica anômica da morte na perfeita harmonia do Éden, alienando-nos da Tua presença imediata.

4. E, como corolário dessa Queda, contemplamos a depravação radical que se nos tornou natureza: uma vontade cativa, uma mente entenebrecida e uma inclinação perpétua para a iniquidade. Estamos, por nós mesmos, em um estado de miséria espiritual, desprovidos de mérito e incapazes de gerar o ato de justiça que nos reconcilie Contigo.

III. A Obra da Redenção em Cristo

5. Mas Tu, em Teu amor que jamais decide preterir o contrito, e em Tua justiça, que é o cânone absoluto que a tudo afere e que há de vergastar a soberba, providenciaste o resgate. E este não se deu por um ímpeto de um ab irato, mas pela prolepse de um decreto eterno, estabelecido antes da fundação do mundo.

6. E entendemos o Teu Amor Incondicional não como uma tolerância passiva à nossa corrupção, mas como uma ação soteriológica e regeneradora. É um amor que não espera nossa melhora para agir, mas que age para nos transformar, executando a justificação que nos declara justos e iniciando a santificação que, progressivamente, nos torna justos.

7. A Tua Justiça, portanto, não é meramente punitiva, mas, antes de tudo, retributiva e retificadora. É o Teu compromisso inabalável com a Tua própria retidão. Onde há transgressão, a Tua santidade exige uma expiação, não por capricho, mas porque a Tua natureza é infungível e não pode coexistir com o mal. A Cruz foi o altar onde a Tua justiça e o Teu amor foram plenamente satisfeitos.

8. Na cruz, ó Cristo, se deu o grande ponto de inflexão, a cesura que divide a história. Ali, a Morte, essa usurpadora da existência, foi exprobada e despojada de seu poder; ali, o Inferno, a antítese do Teu Reino, foi vencido. Teu sacrifício não foi o gesto obsequioso de um ser menor buscando aplacar uma divindade irascível, mas a afirmação soberana do Teu senhorio, o ato kenótico onde a Graça e a Justiça convergiram em perfeita unidade.

9. Pela Tua ressurreição, a estrutura da esperança foi restaurada. Foste a manifestação teândrica Perfeita, o Deus-Homem, resolvendo a antinomia que nos afligia. A vitória sobre o sepulcro não foi mera alegoria, mas a manifestação empírica da Tua divindade, a garantia factual e irrefutável da nossa própria futura ressurreição em glória.

10. A vitória sobre a Morte e o Inferno é a consequência lógica dessa premissa, selada pelas Tuas próprias palavras de comissionamento antes de ascenderes aos céus: 

"Todo o poder Me foi dado nos shamayim (Céus) e na terra. Ide portanto, e fazei talmidim (discípulos) de todas as nações, realizando-lhes a mikvah (batismo) em Meu Nome. Lhes ensinando a shomer (observar) todas as coisas que Eu vos tenho ordenado, e Eu estou convosco sempre, até a consumação do olam hazeh (desta era). Amém."

E por esta exaltação, compreendemos que não habitas em um lugar geográfico à direita de um trono, como um ser finito, mas que Tu mesmo és a Destra, o Braço do Senhor estendido em poder e salvação; a personificação da glória e da autoridade do Deus invisível, reinando não como segundo em um duunvirato, mas como o próprio Soberano em Seu Templo glorificado, que é o Teu Corpo.

IV. A Dispensação do Espírito Santo

11. E agora, por Tua dispensação, o Espírito Santo, o Paráclito, em nós habita como selo da nossa filiação. Por Ele, nosso entendimento é iluminado e nos é dado aquiescer à Tua vontade, abandonando os sofismas do mundo para abraçar a Tua revelação, não como o fariseu pudibundo que se aferra à Lei de modo servil, mas com a singeleza de quem foi regenerado pela Tua graça infusa.

12. Por esse mesmo Espírito, os dons são distribuídos à Tua Igreja, que é o Teu corpo místico na Terra. A um é dada a palavra da sabedoria, para ser o exegeta dos Teus mistérios; a outro, a palavra da ciência, para ser o apologeta da Tua verdade; a um terceiro, a fé, essa virtude dianoética que move o incognoscível; em seguida, os dons de curar, como manifestação da Tua misericórdia reparadora sobre as mazelas do corpo; e a operação de milagres, como intervenções soberanas que alteram o curso da natureza; a outro, a profecia, a proclamação da Tua vontade soberana; a outro, o discernimento de espíritos, a faculdade de perscrutar a gênese de toda manifestação espiritual; a um, a variedade de línguas, a enunciação de mistérios em elocuções que transcendem o vernáculo; e, finalmente, a outro, a capacidade para a sua interpretação, a decodificação da mensagem celestial para a edificação comunitária.

13. E por Ele também floresce em nós, não como frutos dispersos, mas como um único e multifacetado Fruto, o corolário da nossa nova natureza e a evidência empírica da nossa santificação: o amor (ágape), que é o vínculo da perfeição e a disposição análoga ao próprio ser de Deus; o gozo (chara), não uma alegria circunstancial, mas um contentamento soteriológico que subsiste para além da contingência; a paz (eirene), a harmonia ontológica com o Criador que excede todo entendimento; a longanimidade (makrothymia), a perseverança serena e a clemência paciente ante a provocação; a benignidade (chrestotes), a doçura de caráter e a bondade em ação para com o próximo; a bondade (agathosune), a retidão moral intrínseca e o zelo pela excelência; a fé (pistis), que aqui se manifesta como fidelidade e lealdade pactual; a mansidão (prautes), a força sob controle e a submissão humilde à vontade divina; e, por fim, a temperança (egkrateia), o domínio próprio e o autogoverno ascético do espírito sobre as paixões da carne.

V. A Consumação dos Séculos

14. Aguardamos, pois, com reverente expectativa, a parusia, a consumação da Tua obra, sabendo que a Tua perfeita clareza exige que toda a dissimulação seja desfeita e toda obra, palavra e intenção sejam trazidas à luz através do Teu completo e perfeito plano judicativo.

15. Reconhecemos que o fundamento de todo o Teu juízo redentor já foi estabelecido: o primeiro e mais crucial julgamento, o dos Pecados na Cruz de Cristo, onde o Cordeiro de Deus sofreu a punição vicária, e a dívida que nos era contrária foi plenamente solvida, permitindo-nos aguardar os juízos futuros não com terror, mas com a sóbria confiança dos que já foram justificados.

16. E, a partir desse ato propiciatório, aguardamos a sequência da Tua justiça perfeita: o Tribunal de Cristo, para a avaliação e galardão das obras dos salvos; o Julgamento de Israel, para a purificação do Teu povo terreno; o Julgamento das Nações, para aferir a misericórdia praticada; o Julgamento dos Anjos Caídos, quando a rebelião primeva receberá sua sentença final; o Julgamento de Satanás, o arqui-enganador; e, por fim, o Juízo Final do Grande Trono Branco, o epílogo da história humana, quando os ímpios de todas as eras serão julgados, e a verdade não poderá ser obtida por quem tenta obreptar com astúcia.

17. A Ressurreição é, para nós, a proposição central da nossa fé. Assim como Cristo, o Primogênito dentre os mortos, foi reavivado em corpo glorificado, também nós, a Ele unidos, seremos transfigurados. Este corpo corruptível, este invólucro mortal, se revestirá da incorruptibilidade, tornando-se um templo definitivo para a Tua glória.

18. Então, se descortinará o Milênio, aquele éon de paz e justiça sobre a Terra, um tempo em que o governo teocrático de Cristo será a realidade universal, e toda a dissonância será silenciada sob a regência do Rei dos reis. Será o prelúdio da eternidade.

19. E, para além do tempo, a Vida Eterna, o Summum Bonum, a comunhão perpétua. Não um estado de êxtase estático, mas de adoração e serviço dinâmicos, onde contemplaremos a Tua face na visão beatífica e compreenderemos as profundezas do Teu ser, pois Tu és inesgotável em glória e majestade.

VI. Doxologia Final

20. A Ti, portanto, ó Soberano do Universo, Autor e Consumador da nossa fé; a Ti que decretas, crias, redimes e sustentas a história segundo o Teu beneplácito; a Ti, Eterno cujo Evangelho revelado é antipútrido, e que não conhece princípio nem fim, seja a doxologia de toda a criação, a honra, a glória e o domínio. Altissimamente, e para todo o sempre. Amém.



Artist William Blake (1757–1827)  | The Ancient of Days


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