sábado, novembro 12, 2022

Verde mar, céu cerúleo

 silêncio ao redor

fora do céu cerúleo

sopra reticente e ambíguo

brilho disperso e fúmeo

dança lenta

a chuva que cai

e nutre a terra

abençoada que serena.

rios de pensamentos

que percorrem célere

em direção ao verde mar

onde o céu cerúleo se reflete

e ainda assim

a única cor

que brilha em mim

em sua profundidade

é a de sua íris,

nada mais é silencioso.










sábado, maio 28, 2022

Stranger Things | Max e a culpa como alimento do demônio

A quarta temporada de Stranger Things, em seu 4.º episódio, traz uma reflexão sobre a culpa.

A culpa nos corrói de dentro para fora, subtraindo‑nos a força e rendendo‑nos ao mal que nos alcança.

Entorta‑nos os ossos — alicerces da vontade —, desloca o verbo em nosso maxilar e suga‑nos o olhar, janela da alma, precipitando‑nos em trevas existenciais.

Às vezes, a culpa é amparada na verdade cínica de uma racionalidade que isola fatos e despreza contextos subjetivos.

De fato, Max já não era perseguida pelo irmão problemático — ele próprio vítima do pai —, mas quanto desse fato fazia parte de sua verdade íntima?

Max assumiu para si a solidão como penitência autoimposta. Tecnicamente capaz de suportar o fardo, não percebeu que sobreviver não equivale a viver. Transformou-se em espectro entre mundos: biologicamente presente, emocionalmente ausente — tornou‑se numa moribunda: não falava, não sentia, não amava. O silêncio, a anestesia afetiva e a recusa do vínculo não eram estratégias de sobrevivência, mas sintomas do processo de extinção já em curso. O verdadeiro Vecna não habitava outro plano, mas o vazio que ela cultivava dentro de si.

Sustentar culpa e traumas em solidão é admitir que a morte seja apenas questão de tempo, e o relógio da maldição despertou para ela também.

No limiar entre ser e não-ser, confrontada pela única sentença que a culpa sabe proferir - o aniquilamento -, Max redescobre uma verdade primordial: nossa vulnerabilidade é também nossa salvação. A imperfeição que nos condena é a mesma que permite nossa redenção. O paradoxo da condição humana revela-se inteiro: somos capazes tanto de experimentar o abismo da culpa quanto as alturas do perdão.

É no amor - essa força que transcende tanto a lógica quanto a razão - que encontramos salvação. Não um amor abstrato, mas materializado nos vínculos que nos ancoram à vida. A música não era apenas som, mas linguagem ancestral capaz de reconectar Max aos arquétipos de esperança inscritos em sua memória mais profunda.

A culpa, esse Golias interior, encontrou seu David no pequeno e poderoso ato do perdão. Descobrimos então a matemática sagrada do coração: perdoamos na exata proporção em que amamos, começando por nós mesmos.

Na epifania final, através dos olhos lacrimosos daqueles que se recusaram a abandoná-la, Max contempla sua própria imagem refletida - não como ela se via, fragmentada e indigna, mas íntegra e merecedora. 

O maior ato revolucionário contra a culpa não é negá-la, mas transcendê-la, aceitando que somos dignos de amor apesar de nossas imperfeições - ou talvez precisamente por causa delas.



quarta-feira, abril 20, 2022

Shakespeare & eu

(Trecho final de uma triste carta de despedida)


 (...)

Ao William Shakespeare foi atribuído o texto: 

Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença, entre dar a mão e acorrentar a alma. Começa a aprender que beijos não são contratos; e presentes não são promessas. Aprende que não importa o quanto você se importe, algumas pessoas simplesmente não se importam... E aceita que não importa quão boa seja uma pessoa, ela vai feri-lo de vez em quando e você precisa perdoá-la por isso.”


E eu, William Frezze, acrescentaria: 

Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença, entre ter interesse em alguém, ou ter alguém pelo interesse. A sutil diferença entre amar o desconhecido e desconhecer o que se ama. E aprende que não há diferença entre o amor e a amizade, pois não existe amor sem amizade e em toda amizade há o vínculo do amor”.

(...)

22 de abr. de 2021





P.s. Sim, eu sei que Shakespeare nunca disse estas palavras, mas eu disse as minhas. rs